Nossa Senhora de Guadalupe

Às 13:00 de dia 14 ouvem-se foguetes. É a girândola que assinala o início da "festa de agosto". Dezenas de foguetes enchem o céu junto ao Pico, enquanto a banda toca o hino, sob o olhar atento da Confraria de Nossa Senhora de Guadalupe. Pela vila amontoam-se barracas de comes e bebes. O cheiro a espetada paira no ar, junto aos braseiros das barracas onde vacas penduradas esperam por quem compre alguns "picos de carne".
Ao entardecer acendem-se as luzes, dando mais brilho às enramações feitas com centenas de flores de plástico de todas as cores. As ruas enchem-se de gente que converge para a igreja. Está quase a começar a Novena e a Missa, presididas pelo Sr. Bispo. Pela noite dentro continuará o animado arraial. No dia 15 há a Missa do dia, seguida de procissão. A música e a animação continuam, a cargo do bailinho e dos grupos musicais, até ao final da festa.

A devoção a Nossa Senhora de Guadalupe é muito antiga. Terá chegado ao Porto da Cruz trazida de terras distantes, possivelmente do continente que, por sua vez, recebeu esse legado vindo de Espanha.
Reza a lenda que o apóstolo S. Lucas terá trazido para Espanha uma imagem de Maria. Essa imagem encontrava-se em Sevilha quando os muçulmanos começaram a invadir a Península e, para que os sarracenos não a encontrassem, foi enterrada numa região conhecida por "Água de Lupes", junto a um rio. Anos mais tarde, um pastor ouviu a voz de uma senhora que lhe pediu que escavasse naquele lugar, retirasse a imagem perdida de Nossa Senhora e lhe construísse uma ermida. Com o passar dos anos, o nome foi evoluindo até chegar a "Guadalupe". O meu avô conta que as suas avós diziam "Senhora da Água de Lupes", o que nos leva a concluir que ainda há bem pouco tempo havia quem continuasse a utilizar essa designação.
A devoção a Nossa Senhora de Guadalupe foi crescendo e passando fronteiras. É padroeira de Serpa e é feita em sua honra uma grande festa, na Páscoa. Com os descobrimentos, esta devoção chegou à Madeira, curiosamente ao Porto da Cruz, a terra do meu marido.
Acho interessante pensar que esta mesma senhora de Guadalupe percorreu os mesmos caminhos que eu (e muitos outros, mas isso agora não interessa...). É por isso, com grande alegria, que hoje me tornei membro da Confraria de Nossa Senhora de Guadalupe, do Porto da Cruz, recebendo a benção do Sr. Padre e a minha capa, na Eucaristia.

"LENDA DA SENHORA DE GUADALUPE
no PORTO DA CRUZ, MACHICO. 
O padre Silvério Aníbal de Matos recolheu esta lenda em Porto da 
intitulando-a Um Achado milagroso. São 56 versos: 

1. Andava o pequeno pastor o seu rebanho a pastar, 
desde que rompia a aurora até à noite chegar.

2. Desde sua tenra idade, não tivera outro brincar 
se não cuidar da vaquinha, não se fosse tresmalhar.

3. A vaca era a sua companhia e João o seu companheiro, 
pois não fosse ela cair nalgum despenhadeiro. 

4. Enquanto a vaca comia a erva dos verdes montes, 
João sentado escutava as águas claras das fontes. 

5. Tão mansa e pachorrenta a vaquinha do João! 
Mugiu alto, deu-lhe um baque e sem vida caiu no chão! 

6. Que vejo eu ali agora? Ai, que triste a minha sorte! 
Ainda há pouco estava viva e agora já está morta! 

7. O minha fiel amiga, nesta tão triste andança... 
Já não me passas senão duma tristonha lembrança! 

8. Já sei que tenho a fazer ainda que me saiba a fel. 
Vou ao campo chamar gente para te tirar a pele. 

9. Que coisa nunca vista e digna de muita fé! 
De súbito, a vaquinha se pôs sozinha de pé!

10. Este lugar é sagrado, ouvi uma voz dizer. 
Cava e torna a cavar e, então tu me hás de ver. 

11. Que me mandem construir aqui uma ermidinha 
os mouros já se foram embora, cá fiquei sozinha. 

12. Os que aqui me deixaram, já todos morreram. 
Não deixaram a notícia aonde eles me puseram. 

13. E logo o pastor foi ao campo contar o bem sucedido. 
Vieram todos à pressa para aquele lugar bendito. 

14. Foi ali, ali mesmo, que a vaquinha caiu. 
E foi também dali mesmo que a voz sagrada saiu!

15. Todos, grandes e pequenos, com grande e suma alegria, 
cavaram com picaretas o fundo da terra fria. 

16. E quão grande maravilha! No fundo estava deitada, 
envolta em toalha de linho, a rica imagem sagrada! 

17. Era uma imagem negra de tamanho mediano. 
Fora dada a Santo Isidro pelo então Papa Romano. 

18. Cinco séculos depois, ali fora encontrada 
P'ra ser aquele povo mui santamente venerada. 

19. Ali, na Estremadura, num recanto da Espanha, 
Virgem Negra pediu uma igreja tamanha. 

20. E levantou-se um convento e também uma catedral, 
onde oraram reis de Espanha, príncipes de Portugal. 

21. No Vale do Guadalupe, em terras de Estremadura, 
a Virgem fora encontrada dentro de uma sepultura. 

22. Por isso todos chamam àquela Negra Imagem 
Senhora de Guadalupe que imprime fé e coragem. 

23. Senhora do Guadalupe, chegastes a Portugal 
vinda de terras de Espanha. Sois nossa Mãe celestial! 

24. Senhora do Guadalupe, chegastes ao Porto da Cruz, 
vinda de terras de Espanha. Sois Mãe do Bom Jesus! 

25. Senhora de Guadalupe, que nesse altar estais,
escutai os nossos rogos, atendei aos nossos ais.

26. Sois a nossa Padroeira, sois a nossa Mãe do Céu!
Sede nosso Amparo e guia, pois que somos filhos teus.

27. O povo da freguesia, com trabalho mui fragoso,
ergueu pedra sobre pedra este templo formoso.

28. Senhora de Guadalupe, nos braços tendes Jesus!
Abençoai com ternura o povo de Porto da Cruz!" (Lendas das ilhas da Madeira e do Porto Santo, José Viale Moutinho)

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